Oferenda, de Ana Bárbara Ramos
por Ursula Rösele
Em Oferenda a diretora Ana Bárbara Ramos acompanha um dos mais tradicionais rituais brasileiros: a entrega de oferendas à Iemanjá, que reúne milhares de devotos em diversas praias de todo o país. Ana Bárbara recorre a um recurso pouco usual nesse tipo de filme, visto que insere o próprio filme na cerimônia de entrega dos presentes.
Inicialmente ela posiciona sua câmera em um terreiro onde as oferendas são preparadas. Ao contrário da maioria de filmes que tratam de assuntos religiosos, em que essas imagens geralmente são produzidas de maneira a revelar todo o movimento das danças e rezas, Ana Bárbara posiciona sua câmera próxima ao chão e deixa uma vela e a porta do terreiro em primeiro plano. As mulheres evocam os cantos, se concentram e, enquanto isso, vemos crianças passarem observando a câmera, tentando participar das imagens de alguma maneira.
Na praia, milhares de devotos preparam seus barcos de isopor nos quais colocarão as oferendas e as conduzirão ao mar. Esses espaços são abandonados momentaneamente e vemos a diretora sentada na ilha de edição. São revelados, então, seus procedimentos de montagem: computador ligado, timeline em movimento e o filme faz uma suspensão de sua própria narrativa e imerge no interior de sua produção. Ana Bárbara pega o DVD com o filme, escreve “Oferenda” e o coloca em uma caixa.
Acompanhamos a diretora nas ruas de uma cidade na Paraíba se dirigindo à praia. Em voz off Ana Bárbara conta de um funcionário que trabalhava em sua casa. Em conversa com ele, Ana Bárbara descobre que esse homem era um devoto de Iemanjá. Ela decide acompanhá-lo à cerimônia de entrega das oferendas. Daí se seguem sequências muito bonitas da jovem caminhando com o DVD em mãos, na chuva, em direção ao mar. Ela entrega seu filme a Iemanjá: segundo Ana Bárbara, caso os barcos afundem, a entidade aceitou os presentes.Um dos maiores méritos de Oferenda é não apenas a entrega de Ana Bárbara à cerimônia que ela se propôs a registrar, mas o fato de ela não deixar que este propósito se torne maior que seu desejo de fazer cinema.
http://www.filmespolvo.com.br/site/eventos/cobertura/1210
*Visto na Mostra de Cinema de Ouro Preto 2011.
A Felicidade dos Peixes, de Arthur Lins. Ficção, 2011 – 24 min, PB
por Cid Nader
Como que para reforçar a nova “tendência Paraíba” no universo curta-metragista, esse filme de Arthur Lins surgiu como um dos mais bem elaborados dos últimos tempos – principalmente por correr sobre um fio de navalha afiadíssimo, superado, ao final, sem machucados. Já de início, a estética adotada, de matiz seca e clara (iluminação forte e cores primárias dominando os quadros), pareceria, num primeiro instante, conflitar com os modelos similares, que como esse utilizam lentes muito fixas nos ambiente e outros alvos, sem movimentos bruscos, com certeza de que esse modelo de técnica sempre resultará algo que lembre o melhor da essência imagética do cinema (que á o bom resultado para ser olhado), mas que costuma ser soturno na iluminação e contido na paleta dos tons. Com toda a iluminação e colorido, percebe-se ser bastante rigoroso.
Como tem se tornado costume nesses cinemas emergentes, esse daqui também busca referências para fortalecer sua presença (e desta vez, sem camuflagens, com uma sequencia completa de Sam Peckinpah sendo assistida num televisor – e criando todo clima sonoro do momento), indo além ao contrastar (na realidade ao adequar) as distâncias geográficas e temporais de forma plácida. Fala de um homem de meia idade, que ainda trabalha e tem desejos sexuais (que vive), isolado dos laços familiares e que terá a oportunidade de uma aproximação (a cena do televisor abraça o momento para que essa possibilidade se concretize). No momento seguinte, imagens antigas em super 8 tomam a tela, e a pressuposição de tudo já seria o suficiente para que o filme encerrasse de modo tremendamente bom. Não é o que acontece.
E o curta prossegue, passando a correr sobre o risco do fio da navalha. Mais duas ou três chances ideais surgem para que tudo se encerre (a torcida para que não se cometa o erro do excesso passa a afligir), mas o diretor Arthur Lins parece bastante consciente em sua capacidade, conseguindo desvios e mudanças em cada situação, que acabam avolumando e somando, sempre com sagacidade para que as guinadas não terminem em tropeços. O que resultou foi mais uma dessas surpresas agradabilíssimas que costumam brotar desses locais novidadeiros, e a certeza de que temos mais um diretor de mão firme no pedaço.
http://www.cinequanon.art.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário