quarta-feira, 3 de agosto de 2011

“O Diário de Márcia” leva discussão LGBT à Câmara Municipal


Numa sessão especial na Câmara Municipal de João Pessoa, nesta quarta-feira, às 16h30min, será exibido o curta-metragem “O diário de Márcia”, documentário de 20min dirigido por Bertrand Lira que apresenta um relato pessoal e intimista de Márcia, transexual paraibana, sobre o dilema de viver o universo feminino num corpo de homem, enquanto espera retirar o último vestígio do sexo que atormenta sua existência. O filme é mais uma produto da Cooperativa Filmes a Granel que foi criada para viabilizar obras audiovisuais de baixíssimo orçamento.
Após a exibição, será realizado um debate com o diretor do filme Bertrand Lira, a personagem do título Márcia Gadelha, funcionária da Casa, os professor Nelson Gomes Júnior, chefe do Departamento de Ciências Jurídicas da UFPB;  o professor José Neto,  presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB;  os vereador Bira, autor da propositura; a vereadora  e Sandra Marrocos, presidente da Frente Parlamentar de Combate à Homofobia;  a ambientalista e ex-vereadora Paula Frassinete; Simone Jordão, presidente da Funad; Luciano Bezerra, presidente do MEL – Movimento do espírito Lilás; Tânia Brito, da Ouvidoria do Município e Iraê Lucena, presidente do Centro de Referência da Diversidade Humana do Estado.
O documentário “O Diário de Márcia” conta a história de Márcia Gadelha, transexual paraibana, 46 anos, pedagoga e cerimonialista da Câmara Municipal de João Pessoa. A partir do ponto de vista da própria protagonista, documenta sua história utilizando uma narrativa em tom intimista nos moldes de um diário, em primeira pessoa, onde Márcia “faz anotações” de momentos importantes de sua existência: a infância, a adolescência e a fase adulta.
Para o crítico de cinema João Batista de Brito, “a dramática e cativante figura de Márcia já seria suficiente para tornar qualquer filme interessante, porém, o grande lance no filme de Bertrand Lira é que ele, para se afirmar como cinema, não se rende completamente ao conflito de que partiu. Se se rendesse, seria tão somente um registro jornalístico. E não é. Na verdade, o seu mérito maior consiste em um sutil e indescritível equilíbrio entre o mimetismo realista e a invenção fílmica.”
“O diário de Márcia” revela aspectos da intimidade da personagem que narra em primeira pessoa. A fala da personagem é o fio condutor da narrativa, o veículo que nos transporta ao seu universo particular e subjetivo. Falas, sons e imagens expressam o imaginário da protagonista, sua visão de mundo, como ela vê hoje o que vivenciou no passado e o que vivencia no presente com uma “cabeça” de mulher num corpo de aparência visivelmente feminina, mas mesmo assim ainda de homem.
O diretor estruturou a narrativa tendo as falas da personagem como fio condutor e que explora a partir de suas vivências, impressões e reflexões sobre seu passado e o presente sem se prender a uma seqüência cronológica. São mostradas cenas do cotidiano da protagonista (suas atividades na Câmara Municipal e na Funad; o tempo dedicado aos cuidados com o corpo e o vestuário _ com suas visitas ao cabeleireiro e às lojas de grifes renomadas _; o exercício da religiosidade no candomblé e no espiritismo;.
A personagem tece comentários, elocubrações sobre sua existência, tentando entender a rejeição familiar (avós, pais e irmãos) à sua conduta “inadequada” para um “macho” e a violência (física e psicológica) a ela infligida, principalmente pela família. Ela será a primeira transexual a ser submetida na Paraíba a esse procedimento pelo Sistema único de Saúde (SUS).
Com esta obra audiovisual, Bertrand Lira pretende colocar a discussão sobre a violência social contra os que agem e pensam diferente. Discutir essa questão se reveste de importância no contexto atual de luta e militância pela aceitação e afirmação social dos grupos LGBT. Além do conteúdo pedagógico que a proposta se reveste, pois o desconhecimento do outro gera o medo, o preconceito e a violência”, conclui o cineasta que também assina o argumento e roteiro do filme.
O documentário que aborda o perfil de um personagem é uma vertente valorizada do documentário contemporâneo, não importando se o personagem tem ou não uma importância histórica. São personagens desconhecidos, aparentemente sem muito ou nenhum interesse para a sociedade mas que têm muito a revelar sobre o grupo social do qual faz parte, ou sobre a própria sociedade como um todo. Mesmo centrado na trajetória de um único indivíduo, esse tipo de documentário não se esgota numa subjetividade particular porque é igualmente revelador de um imaginário coletivo em diversos aspectos, com notável abrangência social e política.
O documentário tem o apoio do Sebrae-PB, Núcleo de Produção Digital (NPD-PB), Aliança Francesa e Pigmento Cinematográfico. Com este filme, Bertrand finaliza sua trilogia sobre a intolerância sexual iniciada com dos documentários “Homens” (2008), co-dirigido com a capixaba Lúcia Caus, e “O Rebeliado”, seu primeiro longa-metragem, patrocinado pelo FMC.

Nenhum comentário: